domingo, 21 de setembro de 2008




judite
não fales
na terceira pessoa
judite
arde
na terceira pessoa

arrumada na história paralela
da moldura escondida
entre duas de família
“amo-te”, cala judite
que não parece bem que o diga
tão rápido e tão alto
“é o outono quente
nestas ruas de lisboa
que te procuro
nos rasgos velhos
de móveis abandonados”

arde judite
no silêncio
da terceira pessoa

sábado, 16 de agosto de 2008



um dia
comi a minha voz
que tinha comido
o meu sorriso
que tinha comido
o meu coração
que tinha comido
o mundo inteiro.


fiquei só
e muda.


livro
de páginas
trocadas
história
trôpega
de pega
errante

vamos brincar
às tragédias
fazer sentido
na desfolhada
meter buchas
e pôr a puta
a brincar
às comédias.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008




chocolate e cigarros
uma colher de chocolate em pó
um cigarro
uma colher
um cigarro
uma colher
um cigarro
“jantar” não rima
nem com chocolate
nem com cigarro
pois então
adeus Judite
que nunca serei
tão perfeita
como tu
não me sustenta
o ar que respiro
gostava de viver
na rua
do teu mundo
na perpendicular
à das pretas
onde o ar
te faz
tão bela.

terça-feira, 12 de agosto de 2008



erva daninha
erva danada
erva danosa
erva denada
erva dolosa
eva merdosa


oiço marulhar de ondas
tão longe quanto impossível de o ser
tão longe de mim que estou
Maria Zé faz sorriso dos meus olhos
que já nada sorri...
faço-me em mim sorrir
já tão longe da verdade
já tão longe de um sorriso ser possível
tão longe quanto me sinto ilha
de todas as intenções.
quem és, que sorris de uma forma que estranho
que tudo em mim estranho
que coisa essa,
única que me é familiar,
a lonjura?

terça-feira, 5 de agosto de 2008




no fundo da malga
em que me (a)fundo
tento encontrar o sentido
das frases feitas
pelas palavras que bóiam
na sopinha de letras.

no fundo
no fundo,
não percebo nada
desta fonética barata
em que me vejo
afundada.


neste princípio básico de actualidade,
onde me

falho

redondamente,

conto
– não em diferido –
a experiência com minutos,
de ter lido nas borras de café

uma

grossa

lágrima.



na soledade das formas escuras
abriu os olhos e fez raiar o dia.
o que lá estava nasceu.
e choveu.

quarta-feira, 30 de julho de 2008




Levantaram os colarinhos, palparam os dólares nos bolsos, escutando a água parada. A sua má-educação fê-los bem-vindos à Ocupação.
Finda a caminhada, aqui ficam, aqui lutam, aqui jazem em congresso os corpos de todos os heróis caídos. Perante a quietude do fogo, com canas-de-açúcar lutaram pela Liberdade. Não há trago de café suficiente para lembrar cada baixa. Para a História ficaram e ficarão todos os falidos, abrindo-se perante os seus olhos como uma mala preta, a vala dos demais comuns.

sábado, 5 de julho de 2008




amo-vos
que vos sou fiel
que agora voo(u)
tão longe
ao cimo dos prédios
vendo-vos
felizes nas vossas
esposas
felizes nos vossos
rostos
restos
vendo-me
ao escuro
e só
que só
sou
melhor

sexta-feira, 25 de abril de 2008

vinte e cinco



vinte e cinco
traz um céu azul
com sabor de verão
com sabor de sal
de um mar plano
pleno de estrelas
espelhadas em sol
em cada uma
a esperança
de cada um
à sua maneira
tão singular
vivida de saudade
de orgulho
de história
de desencanto

mas que a cada uma rogo
o direito à arrogância
de desejar
e de principalmente
de lutar
pela utopia
de um mundo perfeito




aos meus queridos amigos, semeadores de cravos vermelhos

terça-feira, 11 de março de 2008




leonor um dia pediu ao céu
que lhe mandasse um raio
que a fizesse em tantas
quantas fosse.
o céu sorriu.

leonor num dia de chuva
pediu à arvore
que ali a deixasse ficar
apenas por pouco.
a árvore sorriu.

leonor numa noite de tempestade
pediu ao mar que a levasse
que às suas ondas ordenasse
que corressem ao contrário.
o mar sorriu.
o céu também:
“não te divido
que te reino
assim como és.”.

segunda-feira, 10 de março de 2008


é o frio
são os outros
não é ninguém
aqui nesta sala
sou eu
com eles
sou eu
com os meus plurais
são os rostos
que na noite
dos pensamentos
me assustam
são as vozes
que oiço
são os demónios
de quem não falo
é o sorriso do espelho
que mente
são as lágrimas
que são frias
e afinal
é só frio.

quarta-feira, 5 de março de 2008



no princípio era... a palavra
a palavra que nem entra nem sai
saí à rua na esperança de um ar mais leve
"Leve, faça-se leve, menina!" diziam-me
diziam que esta coisa de criar era coisa fácil
"Fácil!" respondi enquanto voava
voava por cima de prédios e árvores
árvores que de cima desenhavam um tapete de picos
picos e baixos que me assolam
assolam-me quando lembro que não sei voar
voar era o que procurava quando saí de casa
"Casa-te que isso passa, minha filha."
filha da mãe da prudência
prudência, conselho e voo rasteiro
rasteiro a cara feia da folha branca
branca que engano e dou-lhe a volta
volta, e que volta tudo ao que era no princípio

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008



a mão pesada sobre as minhas costas
do sol das onze
das onze cigarras que me aliviam
do sol das onze
com a brisa das suas asas

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008




respira fundo
nasce o dia
amanhece depressa
quanto mais cedo amanhece
mais depressa vem o sol

abre os braços
cheiro de fruta
o aconchego da cama
que se propaga
pela casa, pela rua, pelo ar

abre a janela de par em par
uma carícia de calor
azulão de céu lá fora
havaiana no pé
calçadão a fora

respira fundo
faz nascer o dia
cheiro a fruta, calor
na memória de infância
que é verão na novela

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Keith Jarrett - The Köln Concert (Part 1)

1834




andamos a arrepio
no arrepio de ver
quem desce de costas
fingindo que é tão fácil
subir.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008




hoje abri o jornal
e das gordas que só leio
li uma que me fez
ir às pequenas:



PROCURA-SE:
Boneca de plástico

Última vez vista
vestia vestido
de artista de circo.
Percorre as ruas
de arranca-corações em punho.
Diz-se culta,
das que lêem das gordas e das pequenas,
das que falam de Jean Saul Patre
e versam sobre a espuma dos dias.
É PERIGOSA E MENTIROSA.
Zarolha de olho de botão.

A quem a vir
recomenda-se:
a máxima prudência;
pede-se:
a participação às autoridades;
aceitam-se:
corações de plástico.”

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008




sou vulcão rodeado de saudade
não há terra por perto
para que me possa alongar
e mudar de alguma forma
a forma do fogo
pede ao diabo que te traga
traz a água da tua ilha contigo
toca-me ao som da tua voz
e extingue-me
extingue-me que me farto
e farto cresço
e sou tão grande

que não caibo em mim