
Neste momento, aqui tão perto, corre pela última vez o momento que agora oiço. Pela última vez, a derradeira possibilidade de fugir para o lugar recôndito da minha falsa memória, minha. Não minha, certamente, ou talvez... desde sempre. Deixo-a fugir. Dou-lhe a liberdade que é fado: a de um dia permanecer apenas na minha memória. Não posso – é uma impossibilidade – retê-la neste mundo mágico de a poder revisitar fisicamente sempre que queira. Ao Tempo a sua primazia. Experimento agora essa fatalidade.
Mas que não, nem por sombras, posso desdenhar o privilégio de conhecer a entrada para o engano do Tempo. (Enganamos o Tempo – repetimo-lo, recriamo-lo e dele fugimos para nele nos refugiarmos.) É dentro de ti, oh Tempo ludibriado, que pela nossa emoção te enganamos e te revivemos onde nos fazes felizes. És nosso. Não obstante, concedemos-te a caprichosa ilusão da fuga. Por isso foge e leva contigo os montes e os arrepios que não mais poderei visitar. Não me esgoto, não me esgotarei na azáfama de te contrariar. Por isso leva contigo o cheiro a feno – não correrei atrás do último dia. Vence, porque te deixo vencer. Insisto, persisto, que não terei medo da tua inexorável passagem. Serás o que eu quiser. No palco e do palco serás quando eu quiser.
Quando nós quisermos.
Por detrás dos montes, lá nos encontraremos.